quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

As sessões

Costumo imaginar que minha mente é uma pinacoteca. O filme "Divertidamente" ilustrou muito bem o que minha criatividade define sobre minha "sala de comandos". É tudo totalmente organizado por sequência cronológica e temas. No hall dos dias em que sinto um grande orgulho de mim, se encontram a minha aprovação no vestibular e minha formatura. Acho que são os quadros em destaque na sessão. Mas tem também o dia que consegui andar de bicleta sem rodinhas, dias de troféus e medalhas. Dias pra eu lembrar que preciso ter orgulho das minhas lutas e conquistas. Como é bom sentir que houveram lutas grandes, mas o bônus também veio.

Odeio passar pela sessão de "constrangimento". Que lugar doloroso! Minha mente teima em voltar no tempo pra reviver essas memórias. Preciso focar no aprendizado de cada situação, e não no pior que vivi. Olho pra uma cena e consigo sentir o rubor do meu rosto. Quantos erros cometi... Quantas vezes falei bobagem! Foram tantas decisões erradas que já tomei... Frases pequenas. Outras vezes a vergonha é por ter ficado em silêncio. Uma vez na sétima série eu fiz um desenho pejorativo de uma colega. Desenhei como se ela parecesse um Chihuahua, desenhei a franja desajeitada dela, e olhos pequenos que ela tinha. Eu nunca entreguei o desenho a ninguém, mas eu tenho a maior vergonha por ter feito esse desenho aos 12 anos. Vale lembrar que eu tinha uma coleção de caricaturas e bilhetes maldosos feitos por essa mesma colega, e mainha sempre me consolava dizendo que ela fazia isso porque me admirava muito. Será?

Eu nunca fui alguém de auto estima alta. Muito bullying na época escolar me tornaram uma cdf cada vez mais chata. Na faculdade isso mudou um pouco, na verdade, o bullying era diferente. Estudar com os próprios irmãos na mesma sala acaba misturando um pouco a zona de casa e a social. Metade dos meus contemporâneos na faculdade, juram que meu nome é Carola. Que é meu apelido favorito, que sempre julguei ser permitido apenas para minhas pessoas favoritas, já que é assim que minha família me chama. 

Na faculdade eu tentei ser uma pessoa mais social, conheci muitas pessoas, fiz bons amigos. Não perdia uma festinha, fosse de qualquer período, eu estava lá, socializando. E eu já não me julgava como uma cdf das mais chatas. Eu até acho que deixei essa cdf mais chata na sétima série, junto com o desenho do chihuahua.

A vida passa com fases, e parece que as sessões vão se organizando... Assim fui me tornando quem sou. E continuo mudando tanto todo dia! 

Com as dificuldades diárias, eu não posso esquecer de olhar pra mim. Olhar no espelho e tentar enxergar que no mar de defeitos horríveis, há também qualidades distintas. Há alguém importante. Há alguém que precisa de cuidados diários. E pensar um pouco mais em si, mesmo que outros estejam pelo caminho. Não posso deixar de seguir os mandamentos mais importantes: amar a Deus e amar ao próximo como a mim mesma. Por isso é tão importante me amar. Por isso é tão importante aprender a dizer não.

Não posso negligenciar meus sentimentos, tenho me sentido uma bomba, pronta a explodir em qualquer momento, sem que ninguém perceba que eu estou forçando pra mostrar só o meu melhor. Mas no limite, as faíscas ruins estão saindo e machucando pessoas que eu amo. Uma pausa, um respirar.

Não quero viver na sessão do constrangimento, rasgando desenhos antigos e bilhetes que nunca vou entregar. Quero respirar, olhar em volta e poder sentir. Sem mágoas, sem ressentimentos. E poder devolver a maior leveza que eu amo carregar. E quando no mar, seja só a trilha sonora boa. Sem pensamentos no que me magoa do passado. Que eu possa nadar até a Costa do Marfim e me sentir livre e feliz em cada braçada. 

Carola Guimarães

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